A publicação do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, instituiu o novo Estatuto da Carreira Docente (ECD), que introduz alterações significativas ao que vigorava desde 1990, alterado depois em 1998. Como se pretende, este novo ECD está já a provocar profundas mudanças na profissão docente e no funcionamento das escolas, mudanças que se prevê venham a ser cada vez maiores e mais consolidadas nos próximos tempos.
Como tenho referido em pequenos textos publicados em http://evangelistanet.blogspot.com/, e debatido com colegas e amigos, registo a coragem política da actual equipa governativa para mexer substancialmente na educação, matérias complexas e sensíveis que, inevitavelmente, provocam agitação social e insatisfação, principalmente na classe docente; outros, privilegiando a obtenção de votos, optaram, comodamente, por manter tudo na mesma, quando se reconhecia a necessidade de alterar e adequar diplomas estruturantes aos tempos exigentes e competitivos que vivemos.
Não posso, contudo, deixar de lamentar a forma inadequada como o Ministério da Educação tem divulgado e implementado esta reforma, consubstanciando quase sempre uma atitude agressiva e desprestigiante para a classe docente, que a desvaloriza e desmotiva e que em nada contribuirá para uma escola melhor, objectivo do Governo e de todos nós! Se pensarmos que tal imagem foi construída pela comunicação social, também competiria à equipa governamental impedir que tal tivesse acontecido!
Não posso estar mais de acordo, portanto, com os grandes princípios orientadores do novo ECD, como instrumento de valorização do trabalho dos professores e da escola, como organização ao serviço da aprendizagem e formação global dos alunos. Por um ECD que estabeleça um regime de avaliação de desempenho mais exigente e com efeitos na progressão e desenvolvimento da carreira, de modo a identificar e promover o mérito e a valorizar a actividade lectiva, e que impeça a indiferenciação e, quantas vezes, o desempenho forçado de funções de coordenação e supervisão por docentes menos experientes quando existem nas escolas outros com melhores condições profissionais para o seu desempenho! “Um regime de avaliação que distinga o mérito como condição essencial para a dignificação da profissão docente e para a promoção da auto-estima e motivação dos professores”.
Bom, mas o que dizer quando, para além de se prolongar alguns dos períodos de tempo necessários para progressão nos escalões da carreira, ainda se determina administrativamente que o tempo decorrido entre 2005.08.29 e 2007.12.31 não é contabilizado para essa progressão?! Por que razão, se o docente continua a exercer todas as funções que lhe são exigidas?! Penalizante e desmotivante!
A carreira docente desenvolve-se agora por duas categorias hierarquizadas de professor e professor titular, cabendo a esta última, para além das funções lectivas, outras funções e cargos de maiores responsabilidades para que sejam nomeados ou eleitos, e vedadas à categoria de professor. Para progressão na categoria de professor há que permanecer um tempo mínimo de serviço docente em cada escalão, ter avaliações de desempenho de bom e frequência de módulos de formação com aproveitamento; para ingresso na categoria de professor titular, deve ter 18 anos de serviço docente, ser opositor a concurso documental e aprovação em prova pública.
Mas o número de lugares a prover nesta última categoria não pode exceder a dotação fixada anualmente pelo Governo, que não deverá ser nunca superior a um terço do quadro da escola ou agrupamento. Ou seja, o professor poderá preencher todos os requisitos, ser excelente, e ter de aguardar vinte anos para pensar em poder ingressar na categoria de professor titular! Vinte anos, porque os actuais professores do 10º escalão poderão ingressar na categoria sem ocupar vaga e os do 6º e 7º escalão terão de aguardar a aposentação dos do 8º e 9º escalões que agora ingressarão!
E não me parece razoável a analogia que é frequentemente feita com outras organizações de administração pública ou privada, uma vez que, no caso dos professores, não se tratará de uma verdadeira hierarquia, não cabendo a absoluta necessidade do tradicional quadro em pirâmide. Um professor titular não será superior hierárquico de um professor, só o sendo em caso de eleição ou nomeação para determinada função ou cargo; a categoria de professor titular será, assim, um reconhecimento de mérito e de condições profissionais para o exercício de funções de coordenação e supervisão.
Como afirmou Marçal Grilo, em entrevista ao “Público” de 2006.10.16, “os professores têm de fazer parte da solução e não do problema. O que é preciso é perceber que, como em qualquer profissão, há bons e maus professores, ou maus profissionais”. Não tenho dúvidas de que a maioria dos professores são bons; alguns muito bons e outros excelentes!
Agora, aprovado que está, para cumprirmos os princípios do ECD e termos professores e escolas cada vez melhores será preciso ganhar os docentes para a solução, fazendo-lhes crer que vale a pena ser melhor. Precisamos entusiasmar os professores! Os professores precisam de sentir que o Governo, os pais e encarregados de educação, a sociedade, acreditam e contam com eles para formar cidadãos de qualidade.
Em sede de regulamentação, do discurso e da implementação de condições para o exercício da função docente, o Governo Socialista e o seu Ministério da Educação terão de saber utilizar o novo ECD para que isto aconteça! A preocupação que a Sr.ª Ministra da Educação e o Sr. Procurador Geral da República têm manifestado recentemente, relativamente à violência e aos crimes nas escolas, vem neste sentido e concorre para este objectivo.
Publicado em "Jornal do Montijo" de 2007.04.13
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