sábado, julho 08, 2006

O Estatuto da Carreira Docente em Debate

Visitámos, então, a proposta de alteração ao ECD, divulgada pelo Ministério da Educação.Duas observações prévias à breve apreciação do documento:
1. Registamos a coragem política da actual equipa governativa para mexer substancialmente na educação, em matérias complexas e que, inevitavelmente, provocam insatisfação, principalmente na classe docente; estatuto e outros diplomas que tiveram o seu tempo e que hoje, face aos tempos exigentes que correm, obrigam a necessária actualização, que outros, privilegiando a obtenção de votos, optaram por não alterar;
2. Destacamos a forma inadequada como têm sido divulgadas reformas tão profundas como as que nos estamos a confrontar. Acreditando que não terá sido objectivo do Governo afrontar a classe docente, é essa, no entanto, a imagem que tem passado! Parece-nos de uma enorme inabilidade política a forma como o Ministério tem permitido que a comunicação social divulgue as diversas medidas, consubstanciando quase sempre uma agressão aos professores, que em nada favorecem a obtenção dos resultados que se pretende.

No que diz respeito a alguns dos pontos da proposta:

Art.ºs 38º e 109º - A regulamentação das dispensas de serviço docente para actividades de formação deverá ser compatível com a necessidade das 25 horas anuais para a progressão, já que não nos parece fácil compatibilizar os horários da formação com a componente não lectiva dos docentes de uma mesma turma;

Art.ºs 43º e 44º - Tal como está previsto, o processo de avaliação dos docentes, com periodicidade anual, representará uma sobrecarga de serviço para os avaliadores que, forçosamente, gerará constrangimentos no funcionamento da organização escolar; um coordenador de um departamento com 20 docentes terá de assistir a 60 aulas por ano! A direcção executiva terá, em muitos casos, mais de uma centena de docentes para avaliar, anualmente!

Art.º 46º 2-b) - Como irão ser ponderados os resultados escolares dos alunos? Parece-nos um indicador com grandes riscos na sua aplicabilidade: como todos sabemos, nem sempre melhores níveis de avaliação dos alunos corresponderão a uma melhor prestação do docente e poder-se-á correr o risco de ver notas inflacionadas para corresponder a uma melhor avaliação do docente!

Art.º 46º 2-c) - Da mesma forma, a taxa de abandono escolar deverá merecer uma ponderação adequada: não deverá ter um mesmo efeito nos ensinos básico e secundário. Por exemplo: como sabemos, nos anos sujeitos exame nacional do ensino secundário, com linhas programáticas de conteúdos mais exigentes, é com alguma frequência que o aluno anula a sua matrícula para se propor a exame como externo. Será isto indicador de menor prestação do docente?!

Art.º 46º 2-h) e 3 - Ao contrário de muitos colegas, não me choca que os pais possam fazer uma apreciação do meu trabalho e até a vejo com alguma utilidade pessoal mas, só com o que vem mencionado na proposta, tenho algumas dúvidas sobre a aplicabilidade deste indicador:
1. Que pais poderão participar? Todos?! Ou exige-se que tenham um determinado envolvimento na vida escolar?
2. Que itens constarão da ficha modelo a ser preenchida?
Também não me parece muito válido o argumento de que, sendo os pais parte interessada, não deveriam participar no processo, uma vez que não se trata de julgar ninguém mas sim de uma apreciação de alguns aspectos de um serviço educativo prestado ao seu educando. De resto, sendo apenas um dos onze indicadores de classificação, sujeito ainda a ponderação pelo conselho executivo, não me parece determinante;


Art.º 47º 3 - Não concordamos com percentagens máximas de atribuição de classificações de Muito Bom e Excelente! Faça-se uma avaliação justa e exigente, atribuindo a todos as mesmas oportunidades;


Art.º 47º 6 - Só 3% do serviço lectivo para faltas por doença de curta duração e por conta de férias parece-nos muito pouco! Um exagero! Compreendemos que não se poderia manter a actual situação de podermos faltar por conta das férias quase sempre que quiséssemos e sem qualquer justificação, e por atestado médico de curta duração sem qualquer outra implicação; mas parece-nos "passar de 8 para 99"!

Art.º 54º - Não nos parece compatível com a filosofia da proposta de valorizar as competências e o desempenho dos docentes, o facto de valorizar tão pouco o grau académico de doutor e de nem sequer mencionar o grau de mestre! Não concordamos;

Art.º 79º - A redução da componente lectiva do horário de trabalho não deveria determinar o acréscimo correspondente da componente não lectiva. Como se justifica então que a idade determine essa redução?! Estou convicto que muitos preferem não ter a redução! Será?


Disposições transitórias e finais - Art.º 10º - Os docentes que se encontram actualmente posicionados nos 9º e 10º escalões da carreira não deveriam ocupar as vagas de professor titular a serem criadas, sob pena dos docentes hoje posicionados nos escalões inferiores verem vedado o seu acesso a esta nova categoria docente durante bons anos! Seriam colocados em vagas supranumerárias que se extinguiriam à medida que fossem vagando; a não ser assim, que motivação resta aos docentes para a ascensão aos lugares de topo da carreira?

Trata-se de uma primeira e breve abordagem, não exaustiva, da proposta do governo, que espero, possa, nesta fase de debate e negociação, vir a sofrer alterações mais ou menos significativas.

8 comentários:

Anónimo disse...

Caro colega:
subscrevo a sua análise crítica e construtiva, demonstrando que a lucidez e o bom senso pode estar do lado dos professores e orientar a sua luta pela melhoria do sistema educativo.
Exceptuo, porém, dois pontos:
artº 47º 3 - Se não existirem percentagens ou cotas de atribuição das classificações mais elevadas (podemos discutir o numerário!)cair-se-à, inevitavelmente, na classificação igualitarista e horizontal que temos hoje, reflexo do "porreirismo" cooperativo, que tão mau serviço prestou à educação nestes últimos anos;
artº 79º - concordo que a reduçao incida somente sobre a componente lectiva; aliás, em teoria sempre assim foi... A escola é cada vez mais uma organização complexa, que carece de trabalho pedagógico, didáctico, etc., que exige a criação de equipas preparadas e dinâmicas, e não somente o lugar em que se dá aulas. É neste sentido que a valorização da carreira docente tem de ir, se os professores querem ser tomados a sério como aquilo que são: técnicos altamente qualificados. Há uns anos(lembram-se?)nem se usava o termo "professor". Dizia-se: está a dar aulas". Esta desvalorização da nomenclatura não foi inocente...

Anónimo disse...

Leia-se "porreirismo" corporativo

J M Gomes Evangelista disse...

Colega Fernanda, agradeço o seu comentário.
No que diz respeito ao art.º 79º, posso concretizar melhor a minha idéia: que a redução da componente lectiva não seja utilizada na actividade enunciada na alínea e) do n.º 3 do art.º 82º - A substituição de outros docentes do mesmo agrupamento de escolas ou escola não agrupada na situação de ausência de curta duração.

Anónimo disse...

Alguns comentários...

Quando referes a preocupação…

“Da mesma forma, a taxa de abandono escolar deverá merecer uma ponderação adequada: não deverá ter um mesmo efeito nos ensinos básico e secundário. Por exemplo: como sabemos, nos anos sujeitos exame nacional do ensino secundário, com linhas programáticas de conteúdos mais exigentes, é com alguma frequência que o aluno anula a sua matrícula para se propor a exame como externo. Será isto indicador de menor prestação do docente?!”


…falas do que te toca… Não poderás, contudo, esquecer que, pelo básico “andam e ficam” aqueles cujas as famílias, em desconforto social, não promovem o sucesso em articulação com a escola. Chamo-lhe “desconforto social” para não ser excessivamente duro. Na realidade, todos os discursos da administração têm responsabilizado a escola pelo abandono e pelo insucesso e desresponsabilizado a família e as outras estruturas da administração que deveriam, também elas, estar a cumprir objectivos de inclusão e desenvolvimento, nomeadamente a Segurança Social, a Saúde, a Formação Profissional e o Trabalho, etc. Sem esta articulação interdepartamental,interministerial, sem o envolvimento das famílias, como vamos combater o insucesso e o abandono? Mas, para que haja esta articulação, primeiro o Governo tem que assumir que o insucesso está na escola e fora dela… e tratar de responsabilizar todos da mesma maneira. Afinal, eu professor, também sou pagador de impostos (36%/ano) e, por isso, tenho o direito de exigir eficácia em todas as frentes.

Um segundo comentário vai para o “optimismo” que manifestas relacionado com as...

“Disposições transitórias e finais - Art.º 10º - Os docentes que se encontram actualmente posicionados nos 9º e 10º escalões da carreira não deveriam ocupar as vagas de professor titular a serem criadas, sob pena dos docentes hoje posicionados nos escalões inferiores verem vedado o seu acesso a esta nova categoria docente durante bons anos! Seriam colocados em vagas supranumerárias que se extinguiriam à medida que fossem vagando; a não ser assim, que motivação resta aos docentes para a ascensão aos lugares de topo da carreira?”.

Só pode mesmo ser optimismo. O problema, em minha opinião, baseada, inclusive, na informação que vou recebendo e no cruzamento com outras medidas aprovadas/preconizadas para a administração pública, não é o da falta de motivação dos que ficam à “porta” da titularidade por falta de vaga. O problema, afinal, é que nenhum de nós é titular!... Ou tem garantias de o vir a ser!... O que me faz repudiar liminarmente a proposta de ECD apresentada por esta administração, para além do espírito de agressão aos docentes subjacente (que não reside na imprensa, mas no discurso da Ministra e desse personagem mentiroso denominado Valter Lemos), é o facto de eu considerar, para uma discussão séria e transparente da proposta de ECD, ser necessário colocar sobre a mesa da negociação, igualmente, a proposta de regulamentação de muitos dos artigos. Não tenho, insisto, pelas informações que me vão chegando, qualquer dúvida de que os equiparados a professores titulares só o serão, um dia, após a aplicação das regras que, entretanto, num outro qualquer momento, serão definidas e publicadas (REGULAMENTADAS). Nesse dia, constataremos, então, que os equiparados não barraram o lugar de ninguém. Aliás, nesse dia verificaremos que muitos assumirão (pelo falhanço da candidatura à titularidade) o estatuto de quem fica à ”porta” da titularidade sendo “premiados” com a respectiva redução de salário (o que foi recentemente tornado possível para a administração pública em sede de Conselho de Ministros). Sobrarão certamente vagas para outros. Até lá, muitas questões se vão colocando, mas uma delas é, claramente: Quais serão, afinal, os procedimentos para atingirmos a titularidade?... Já se sabe?... Claro que não!... Nem se sabe isso nem outras coisas, o que justifica, aliás, as interrogações que sistematicamente colocas na tua análise da proposta de ECD…

Sabe-se, contudo, pela proposta de ECD, que, para se atingir o estatuto de Titular, existirá uma prestação de provas e uma cota o que, apesar de parecer natural para alguns, contraria o princípio da aposta firme na qualidade dos desempenhos e da recompensa dos mesmos. Afinal o que parece interessar ao governo não é propriamente a qualidade do serviço público em educação, mas a gestão orçamental, fechada e controlada.

Em meu entender, a aprovação deste ECD corresponde à passagem de um cheque em branco a um governo que não gosta dos professores… Chamem-me corporativo, se quiserem... Mas a defesa da dignificação do meu estatuto profissional e do meu estatuto social não se coaduna com a admissão de sistemáticos insultos e com a populista diabolização do desempenho docente em praça pública. Por isso reafirmo: a discussão desta proposta de ECD só será séria e transparente se o governo colocar sobre a mesa, a par da proposta de ECD, o seu pensamento sobre a forma de regulamentação dos diversos artigos. Se quiseres, se responder às questões que colocas e às outras que eu e outros tantos vamos colocando. Não achas estranho que não responda?... É que esta clarificação tornaria bem mais fácil a negociação e a aprovação, não achas!?

Um abraço

Victor Manuel

J M Gomes Evangelista disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
J M Gomes Evangelista disse...

Caro colega Victor,
Na verdade, concordo quando falas do "cheque em branco". Esse é o problema global desta proposta!
Muitos dos artigos podem merecer da nossa parte maior ou menor concordância, ou discordância, dependendo da regulamentação, do modo como vão ser operacionalizados, e isso, na verdade, desconhecemos!
Agradeço o teu contributo.

Anónimo disse...

Amigo e colega Zé!

Começo por te felicitar, quer pela iniciativa da criação de um blog para colocares os teus interesses e preocupações, quer pela coragem que demonstras em revelar publicamente as tuas opiniões. Sim, pois neste momento tão conturbado que se vive, corremos o risco de vermos colegas que não concordam com as nossas opiniões antagonizar-nos automaticamente.
O debate de ideias é sempre importante e a discussão, principalmente na profissão que abraçámos (causa a que nos dedicamos!), essencial.
Gostei dos teus comentários, mas se me permites, quero dizer-te que, relativamente às Disposições transitórias e finais - Art.º 10º, a minha interpretação é que os docentes dos 9º e 10º escalões não vão ocupar as vagas, nem sequer ser professores titulares; são equiparados apenas para efeitos remuneratórios. Quanto ao resto, terão de concorrer em igualdade com os demais que reunirem as condições para se candidatarem a professores titulares.
Relativamente às quotas, permite-me que realce a possível injustiça de apenas um terço do total dos professores do quadro da escola poderem ser professores titulares (nº 2 do artº 25º). Com efeito, em escolas do interior poderemos ter docentes com 18 anos de serviço a ascenderem a professor titular, enquanto na Grande Lisboa (por exemplo) docentes com 30 anos de serviço podem não conseguir ascender a professor titular, por inexistência de vaga. Quanto ao artº 47º3, tem que se criar uma forma de não se nivelar por cima (ver a actual avaliação dos funcionários - tudo 10). Com quotas? Não é o mais justo, mas qual o modo de moralizar e tornar a avaliação justa?

Muito poderia dizer, mas concordo contigo em muito do que afirmas, e penso que aos sindicatos cabe, neste momento, negociar estes (e talvez outros) pontos mais gravosos para os professores, em vez de, pura e simplesmente, se manifestarem contra todo o documento.

Um abraço,
António Castel-Branco

J M Gomes Evangelista disse...

Caro amigo e colega, agradeço o teu contributo!
Sim, os docentes do 9º e 10º escalões serão só equiparados em termos de vencimento e terão de se candidatar para serem professores titulares de pleno direito mas, se, como dizem, cerca de 50% dos docentes estarão actualmente nesses dois escalões e, previsivelmente, se candidatem, teremos as progressões entupidas durante largos anos! A hipótese que referi (docentes do 9º e 10º escalões equiparados a professores titulares ou já de pleno direito sem serem contabilizados na quota de 1/3) poderia servir de “almofada” nesta fase transitória e iria ao encontro da situação que referes quando falas do acesso à categoria de professor titular no interior e na Grande Lisboa.
Bom trabalho!